Depressão e Irritabilidade (Reflexão)

[Esse texto foi publicado originalmente na fanpage do Facebook de Relatos de um garoto de outro planeta no dia 5 de Janeiro de 2018. Eu fiz leves alterações no texto, corrigi alguns erros aqui e ali, apenas, porque ele já era muito bom.]

Muitas pessoas não sabem, mas um dos sintomas mais comuns da depressão é o excesso de mau-humor e a irritabilidade.

"Em crianças e adolescentes pode se manifestar um estado de humor irritadiço ou instável mais que um estado de ânimo triste e desanimado. Isto precisa ser diferenciado do que se considera um padrão de “menino mimado”, com irritabilidade frente às frustrações." Fonte: A Mente é Maravilhosa

Quando eu era criança e adolescente eu era muito mal-humorado, eu gritava tanto que eu vivia com dores de cabeça. Às vezes eu não conseguia me controlar e quebrava as coisas em casa para descontar a raiva, uma vez quebrei a panela de arroz da minha mãe, já danifiquei os rádios dela em que ela escutava música religiosa o dia todo e aquilo me perturbava. Apesar de frequentar a igreja, inconscientemente eu não acreditava em nada daquilo.

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Não era um comportamento normal, eu provavelmente estava tendo minhas primeiras crises depressivas. Tudo era muito sombrio, eu era muito mórbido.

Mas essa agressividade toda só acontecia dentro de casa com meus pais e o meu irmão porque do lado de fora eu não me sentia confortável para ser eu mesmo, lá fora era uma pessoa calma que controlava os meus sentimentos. Controlava? Julgo que, na verdade, eu engolia tudo.

Uma vez tive um pesadelo em que eu estava vomitando pregos, arames e outras peças de metal. Elas não paravam de sair e às vezes eu tinha que puxar elas com as mãos porque elas ficavam enganchando na minha boca/garganta.

Analisei esse sonho na psicoterapia e provavelmente ele estava relacionado com eu ter "engolido" meus sentimentos durante a minha vida inteira e então eu estava finalmente colocando eles para fora, mas era um processo doloroso, como se eu tivesse vomitando peças de metal...

Penso que se alguém que conviveu comigo durante a minha infância e adolescência sem ser da minha família lesse esse texto provavelmente ficaria perplexo ao descobrir que eu era mal-humorado, perturbado e não o garoto calmo e "gente boa" que aparentemente não se estressava com nada.


Na escola as pessoas gostavam de me testar, me faziam passar por várias humilhações e eu continuava calmo e sorridente, mas quando eu chegava em casa, eu chorava, gritava e quebrava coisas… Os colegas que faziam piadas comigo, comentavam: "é legal brincar com ele porque ele não reclama"…

Depois de adulto tive crises depressivas mais intensas e também tive irritabilidade, mas ela passou a se manifestar de formas diferentes já que eu não vivo mais na casa dos meus pais. Eu penso que quando eu era adolescente eu acabava por ser mais agressivo porque eu me sentia preso.

Costumo definir a minha irritabilidade na depressão (de adulto) como um estado como se tivessem arrancado toda a pele do meu corpo. Estou em carne viva, então um simples toque me causa dor…

Algumas palavras específicas são gatilhos para crises de ansiedade ou desencadeiam enormes sentimentos negativos que me sufocam.

Uma vez perguntei para o meu namorado se eu era uma pessoa difícil de conviver, ele disse que essa era uma pergunta extremamente complicada, mas falou que eu era muito sensível e que ele precisava tomar cuidado com qualquer palavra que ele me falava.

Infelizmente poucas pessoas compreendem isso, tenho um amigo que tem depressão também e ele agia da mesma forma que eu e sempre se desculpava por isso e eu só dizia para ele que entendo como é se sentir assim.

Nas redes sociais eu parecia sempre raivoso, fazendo publicações reclamando das pessoas que banalizam transtornos mentais, que fazem pouco caso da depressão, bipolaridade, TOC, entre outros. Até que um amigo meu me chamou e disse: "estão irritando muito você?" Percebi que só estava fazendo publicações deste tipo. Conversando com a minha psicóloga, chegamos a conclusão que não estava sendo saudável para mim, existem pessoas ruins no mundo, sem empatia, mas não adiantaria eu ficar me irritando e sofrendo com isso porque elas não vão mudar ou não tem boa vontade suficiente para reavaliar suas posturas.


Mesmo hoje em tratamento e finalmente fora da depressão, eu ainda sou bastante sensível a alguns assuntos, ou piadas, porque são como gatilhos que resgatam sentimentos ruins e que quero esquecer.

Só queria falar um pouco sobre a irritabilidade da depressão e como ela se manifestou em mim através dos anos.

Quebre as Correntes

Fresno

O que fazer

Quando não estão mais nem aí para você

Quando seu mundo não passar de uma prisão

E o que dizer

Quando a sua vida não é igual à da TV

Quando as pessoas tratam mal seu coração

Quebre as correntes!

Prometa não chorar e não se arrepender

Não chorar

O que você precisar se encontra em você

Não chorar

E como agir

Se mãos amigas se transformam em punhais?

E todos acham que você não é capaz (de desatar os nós)?

E o que sentir

Quando até mesmo você chega a duvidar

Que ainda existe alguma chance de virar (o jogo pra você)?

Não vou deixar desmoronar

Castelos que eu construí

Com minhas mãos na areia

A vida tem de prosseguir

Prometa não chorar e não se arrepender

Não chorar

O que você precisar se encontra em você

Não chorar

Não chorar

Compositores: Lucas Cesar De Lima Silveira

Letra de Quebre as Correntes © Warner/Chappell Music, Inc

[Quando compartilhei esse texto originalmente na página teve uma senhora que comentou: "você deveria ter tomado uma surra e terapia, ter-a-pia cheia de louça" e obviamente eu a bani. Tenho um transtorno de humor que me acompanha desde que eu me entendo por gente, eu não estava sendo mimado ou fresco, eu estava sofrendo! Sem falar do bullying e outras coisas que eu sofria que me deixavam pior.

E pensar que existem muitos pais que nem ela. Se o seu filho adolescente sofre muito com mau-humor e irritabilidade talvez seja interessante procurar ajuda médica ou psicológica.]

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