Por que o ódio tem tanto poder?

(Imagem retirada da internet)

Ultimamente tenho estado bastante reflexivo sobre o comportamento das pessoas na internet, questões como a cultura do cancelamento e também sobre o crescimento de figuras políticas relacionadas ao discurso de ódio. Inclusive, já escrevi alguns textos sobre isso aqui no blog, como O ódio e o engajamento na internet (Reflexão)Tudo começa na falta de empatia (Setembro Amarelo), a minha análise sobre o filme Coringa (2019) e até mesmo meu post sobre a cantora Anitta.

É assustador imaginar que em 2020 estejamos presenciando tanta barbárie e o ódio esteja tão em voga. Ao ponto que até as pessoas engajadas em causas sociais utilizem suas pautas para promover linchamentos virtuais. De onde vem tanta agressividade? E, por que essa agressividade consegue provocar mover tantas coisas e engajar tantas pessoas?

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De acordo com Freud em seu trabalho O Mal-Estar na Civilização (1930), a resposta está na natureza humana. Nós seres humanos possuímos naturalmente instintos, impulsos e pulsões relacionadas a preservação da vida, prazer, satisfação pessoal e multiplicação, mas também possuímos tendência a agressividade e destrutividade. De acordo com a psicanálise, a repressão de tais impulsos vem da necessidade de convívio social. Para que uma sociedade seja possível, é preciso que os cidadãos reprimam algumas de suas vontades.

Por exemplo, quando estamos irritados frequentemente podemos sentir desejo de cometer agressões físicas ou até mesmo homicídio, mas não podemos porque se todo mundo que tiver uma frustração na vida cometer um ato de violência, a sociedade viraria um caos. Às vezes podemos sentir desejo sexual por uma pessoa, mas não podemos passar por cima de seu consentimento para satisfazer esse desejo, do contrário estaremos cometendo um crime de violência sexual. Para que meu convívio com alguém seja possível, é preciso que eu contenha desejos que comprometam a integridade desse relacionamento. Assim nasceu a moral, a ética e o direito. Freud também propôs que temos a capacidade de deslocar alguns desses desejos para outras atividades físicas ou psicológicas que não provoquem prejuízos sociais, como uma pessoa que canaliza seus impulsos à violência no esporte ou na arte. Tal potencial foi chamado por ele de sublimação.

A constituição da civilização, portanto, vem da capacidade de pensar no bem comum e no interesse de construir relações em detrimento da satisfação de impulsos, bem como da de responsabilizar-se pelos próprios atos. Posso querer matar alguém e de fato cometer esse atentado, mas terei que me responsabilizar e responder criminalmente. O custo dessa responsabilidade é o que censura as pessoas.

O que possibilita o discurso de ódio é justamente o meio que isenta a responsabilidade e ainda endossa tal comportamento. Por exemplo, se todos ao meu redor estão fazendo piadas com uma pessoa trans que vive marginalizada sem que precisem se responsabilizar por isso, posso perceber este comportamento como aceitável e reproduzi-lo. Se todo mundo está cometendo linchamento virtual contra uma cantora ou blogueira que falou besteira sobre feminismo, lá vou eu estar escrevendo comentários violentos ou destruindo a vida de alguém acreditando estar fazendo a melhor coisa do mundo.

O ódio tem poder porque a destrutividade é da natureza humana, mas todos reprimimos. O discurso de ódio é sedutor porque ele é uma oportunidade de saciar tais desejos sem precisar se responsabilizar utilizando justificativas como a vítima da minha violência ser inferior a mim, ou ela estar transgredindo algum dogma moral, religioso ou ideológico.

Referências

  1. FREUD, S. (1930) O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
  2. FREUD, S. (1920). Além do Princípio de Prazer. Rio de Janeiro: Imago, 2006, p. 123-198. 



Comentários

  1. Não importa quem seja, qualquer um está propenso a sofrer nas mãos da militância da internet. Existem aqueles que militam pelas coisas que realmente têm valor, e tem aqueles que só estão procurando uma vítima para "cancelar" e linchar virtualmente. Infelizmente é disso que a sociedade está repleta.

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  2. O ódio é um sentimento muito forte, por isso possui muito poder, pois a áurea que ele possui é carregada de energias negativas e ao passar para quem é o alvo, só acontecerá coisas ruins. Sem falar que volta depois para quem desejou.

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  3. Muito interessante esse post. Também me perguntou muito de onde vem tanto ódio e tanta falta de empatia. Sei, claro, que existem as mais diversas explicações, religiosas, filosóficas, sociológicas, psicológicas e por aí vai. Mas apesar de todas essas explicações ainda é algo que me custa entender. Claro que eu sinto raiva muitas vezes, talvez ódio, mas não consigo me ver materializando isso de forma tão extrema e a troco de nada, por motivos banais. Concordo muito quando você diz que a isenção da responsabilidade, especialmente na internet, valida e até incentiva esse comportamento. E nem preciso falar do presidente que elegeram. Mas mais do que isso eu fico tentando entender o que gera esse sentimento nas pessoas. Excelente texto!

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  4. Eu tenho feito pausas para ler a respeito e compreender esse ódio crescente nas pessoas e por enquanto não tenho uma resposta. Apenas pequenas frases. No entanto, chegamos a um ápice, mas ele começou há tempos. me lembro que, determinada vez, estava a dizer que não gostava de Machado de Assis por causa do estilo de escrita parnasiano. Não me agrada. Foi o suficiente para a criatura vociferar e me agredir com suas frases de efeito. Eu apenas observei e como ela não encontrou respaldo, se deu por vencida e acabou assim. Não mudei de idéia. Pelo contrário. Li e leio Machado de Assis, mas confesso que é cansativo, por mais que os personagens seja muito bem desenvolvidos.
    Em outra ocasião, ocorreu uma discussão a respeito das cotas e eu disse que não poderia me posicionar. Me faltava conhecimento do tema. Pronto. Criou-se uma guerra ao meu redor. Ou era do contra ou era a favor, que me posicionasse. Me levantei e fui embora.
    Disse a uma amiga, não gosto disso, estamos rumando para um lugar perigoso: o do pense igual a mim ou vá encontrar quem pense igual a você. Uma sociedade é pautada por diálogo e ódio se alimenta e cresce nos discursos prontos.
    Enfim, não acho que o ódio esteja na natureza humana como diz Freud, para mim está na maneira como nos limitamos. Não é ruim odiar, sentir raiva. São sentimentos. O diferencial é a maneira como lidamos com as nossas emoções. Muito se fala na razão e como devemos nos orientar por ela, mas é algo que perdemos fácil se não soubermos equalizar as nossas emoções. É nesse ponto que está o nosso equilibrio. Eu não quero ser racional... eu quero ser a pessoa que consegue sentir porque ao ser capaz de compreender os meus sentimentos, a razão aflora.

    bacio carissimo e grata pelo post

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  5. Oi Raphael! Adorei seu texto e como fez um paralelo com o trabalho de Freud para explicar seu ponto. Eu concordo muito que as pessoas acabam normatizando o comportamento alheio e reproduzindo. Hoje em dia eu reflito muito mais e até evito ver opiniões alheias antes de formar uma com base no que eu acredito. Não colocaria isso nem como evolução porque acredito que o ser humano sempre acaba sendo falho em algum aspecto, mas posso dizer que tenho buscado mais autoconhecimento para trabalhar melhor a empatia.

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